Cristina sempre gostou dos olhos.
Quando era menina gostava das bonecas mal cuidadas de suas amigas. Mantinha as suas intactas para fazer a troca por um bom número daqueles maltrapilhos.
Rabiscados de bic ou canetinhas coloridas, os olhos destas bonecas –que mais pareciam demônios, como seu pai dizia- eram o passatempo favorito da menina.
Ela gostava da companhia dos olhos dos enfermos. Esses conversavam com ela, não tinham pressa por não deixar o tempo passar.
Cristina sempre olhou os olhos.
Enquanto andava, pelas ruas apressadas, olhava o que todos vêem, mas não percebem.
Cada olho que pelas vias brilhava, ocultava, pedia. Cristina sentia.
E então ela diminuía seu ritmo para conversar com os olhos. Porque sim, os olhos conversam. E seus assuntos são diversos: podem falar da bunda da gostosa que passou, do sorriso torto da presidente eleita, ou, ainda, ficam em silêncio com as nuvens, perguntando-lhes se elas misturar-se-ão com suas lágrimas. Os olhos são os maiores tagarelas taciturnos.
Os olhos de Cristina eram verde-amarelados, tais como frutas amadurecendo. Mas ela não ligava para as cores. Ela gostava da umidade.
Dizia por aí que um olho mal umedecido era como um corpo sem sangue. Atrevia-se a dizer que o número de lágrimas liberadas era o que classificava os olhos.
Conversava com o olho: “Se você, olho, não chorou sequer uma vez, seja de tristeza ou por qualquer outro motivo, você não cumpre seu papel”.
Então o olho, estalado, perguntava a ela qual era seu papel. E ela respondia, prontamente: “Oras, seu papel é mostrar ao mundo através de sua umidade, mesmo nesse tempo de cegueira, o que seu corpo sente”. E continuou seu caminho enquanto aquele olho pensava.
Cristina, enquanto conversava com quaisquer olhos, deparou-se com dois muito excitados e nervosos, viu maldade neles. Eles eram extremamente secos.
Ela tentou fugir. Mas não conseguia olhar para outra coisa senão para aqueles globos oculares desertos. Petrificada.
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